OBS.: Este post é a transcrição de parte da resposta de Eduardo Viveiros de Castro a uma questão do público durante a mesa de abertura (Modos de Existência) do evento Informação, tecnicidade, individuação: a urgência do pensamento de Gilbert Simondon, ocorrido no IFCH/Unicamp entre 2 e 4 de abril de 2012.
Normalmente, os nossos amigos materialistas – históricos, vulgares ou dialéticos – são todos malthusianos para as outras espécies, mas não para o homem. Ou seja, todo materialista que se respeita (não estou falando evidentemente dos sobrenaturalistas) acredita que os ratos e as baratas estão sujeitas à dinâmica malthusiana. Mas se estão realmente, então, nós também estamos, ou, então, eles não estão também. Porque, senão, nós temos um problema, a espécie humana tem um poder sobrenatural, a saber: a tecnologia é capaz de nos tirar de qualquer coisa. Quando eu falo de malthusianismo, não falo só de explosão demográfica. Eu falo, em geral, na questão de esbarrar numa barreira, bater num muro termodinâmico qualquer, seja ele população, seja recurso.
Eu acho que o malthusianismo coloca uma questão curiosa, porque, na verdade, a crítica malthusianista, normalmente, funciona como um desvio pelo caminho da graça divina. Os humanos têm alguma coisa especial que os distingue. O próprio do homem é escapar dos parâmetros termodinâmicos do planeta, graças à tecnologia. Eu acho que isso é um problema interessante! Estou apenas constatando que a crítica ao malthusianismo pára no homem, nas sociedades humanas. Quando chega nos ratos e nas baratas, nós achamos que eles estão sujeitos às constrições malthusianas. Por quê? Talvez, não do ponto de vista demográfico, mas me parece que essa ideia de que o capitalismo pode tudo ficou muito profundamente gravada na nossa cabeça.
Penso na famosa frase do Marx: “A humanidade só se coloca problemas que pode resolver”. Sim, mas nem todos os problemas colocados à humanidade são colocados por ela, e alguns ela não pode resolver. Se ela pudesse resolver todos, nós não nos extinguiríamos nunca e, salvo engano, nós vamos nos extinguir. Mas nós quem? Essa é uma questão também: o que você chama de nós? A espécie não existe, a espécie é uma categoria flatus vocis. Toda vez que me falam de malthusianismo, eu falo: “Ok. Mas e as baratas, e os ratos? Por que só nós vamos escapar dessa?” A menos que consigamos, de fato, o star trek: pegar o avião e ir pra outro planeta. Ou então não somos materialistas. Esse é um problema que me angustia e para o qual não tenho a solução: como é que nós fazemos com essa questão?